Entrevista ao Presidente da ANPQ

Por 28 Setembro, 2017Artigos

Entrevista ao Eng.º Carlos Oliveira,
Presidente da ANPQ

Revista Edifícios e Energia Janeiro/Fevereiro 2017

 

Durante a tarde técnica da ANPQ, afirmou que “ser PQ em Portugal é árduo”. Porquê?

A atividade de Perito classificado do SCE começa desde logo por ter de satisfazer o cliente que normalmente está mal informado e tem expectativas muitas das vezes irreais com os quais o Perito tem de se debater e resolver a contento do seu cliente.

Outras situações teem a ver com a obrigatoriedade de ter de certificar espaços muitas das vezes sem condições de habitabilidade fora das regras de edificação urbana que fazendo jus das regras regulamentares tem de ter certificado energético sem se entender bem porquê.

Confrontam-se também com carências e deficiências significativas das ferramentas disponibilizadas pelo sistema do SCE.

Por último são cerceados por um conjunto de documentos legislativos e documentos afins com regras pouco transparentes, leia-se decretos leis, leis, despachos, portarias, perguntas e respostas, etc. bem como com métodos de fiscalização também pouco objetivos e com base em  critérios duvidosos de verificação da qualidade envolvendo cerca de uma centena de valores designados por decreto “como valores corretos”  que nem os organismos oficiais compreendem.

Saliente se um exemplo caricato da situação das bombas de calor termodinâmicas alimentadas energeticamente com eletricidade serem consideradas como soluções de energia renovável que ninguém sabe como se calcula a parcela da energia renovável.

Existe concorrência desleal no mercado?

Sim os gigantes da energia e do mercado publico ou privado   que veem na certificação energética interesses ou oportunidades de negocio pouco compatíveis com a isenção que seria de prever no sistema em contraste com o que se exige na lei  aos Peritos Qualificados.

Saliente -se que de acordo com o artigo 6º da lei nº 58/2013 de 20 de Agosto Os técnicos do SCE exercem as atividades em conformidade com as metodologias técnicas e regulamentares do SCE, conduzindo os respetivos processos em articulação direta com a entidade gestora do SCE, leia-se ADENE . “Constitui dever profissional dos técnicos do SCE o exercício das suas funções em condições que garantam a sua total independência e a ausência de conflitos de interesses, nomeadamente não exercendo a sua atividade relativamente a edifício de que seja proprietário ou arrendatário ou para o qual tenha subscrito ou preveja vir a subscrever projeto de arquitetura ou de especialidade, termo de responsabilidade na qualidade de diretor de obra ou de diretor de fiscalização ou que, não obstante não subscreva qualquer termo de responsabilidade, integre ou preveja integrar a equipa de direção de obra ou de direção de fiscalização de obra. “

Apesar disto em oposição, as empresas acionistas da entidade gestora ADENE podem fazer todo o tipo de atividade dentro do sistema em concorrência com os Peritos qualificados sem nenhum constrangimento ou regras de incompatibilidade.

Atualmente existem cerca de dois mil peritos qualificados, a maioria deles em profissão liberal que não conseguem competir com esta estratégias de carater mercantil fortemente agressivas e abusivas da concorrencia.

Que medidas podiam ser implementadas para evitar que tal aconteça?

A interdição da emissão e produção de Certificados Energéticos por gabinetes urbanísticos camarários em concorrência direta aos Peritos Qualificados, onde as regras deontológias são feridas amplamente. Como pode um gabinete de urbanismo de uma Câmara avaliar com isenção os processos urbanísticos que o próprio gabinete produz? Onde fica a isenção para o consumidor?

Também a elaboração de Auditorias Energéticas e Certificados Energéticos por parte de empresas acionistas da ADENE cria uma situação pouco transparente com um sentimento de desconforto generalizado junto dos Peritos Qualificados, que assistem a uma concorrência no seu trabalho por parte de acionistas da ADENE que é a entidade que os fiscaliza. Não nos parece aceitável.

Actualmente, como se regula a actividade da profissão?

Os Peritos são arquitetos, engenheiros ou engenheiros técnicos inscritos nas respetivas associações públicas profissionais, Com as seguintes qualificações adicionais de acordo com o respetivo âmbito de atuação:

  1. PQ -I:
  2. i) Arquitetos, engenheiros civis, engenheiros técnicos civis, engenheiros mecânicos, engenheiros técnicos mecânicos, engenheiros eletrotécnicos, engenheiros técnicos de energia e sistemas de potência, especialistas em engenharia de climatização ou energia;
  3. ii) Cinco anos de experiência profissional em atividade de projeto ou construção de edifícios;

iii) Aprovação em exame realizado pela entidade gestora do SCE, cujo conteúdo consta de portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área da energia;

Para atuação em edifícios de habitação, no âmbito do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação (REH),  e em pequenos edifícios de serviços dotados de sistemas de climatização com potência nominal igual ou inferior a 25 kW, no âmbito do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços (RECS).

  1. PQ -II: i) Engenheiros mecânicos, engenheiros técnicos mecânicos, engenheiros eletrotécnicos, engenheiros técnicos de energia e sistemas de potência, especialistas em engenharia de climatização ou energia;
  2. ii) Cinco anos de experiência profissional em atividades de projeto, construção ou manutenção de sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC), ou de auditorias energéticas em edifícios abrangidos pelo RECS; iii) Aprovação em exame realizado pela entidade gestora do SCE, cujo conteúdo consta de portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área da energia.

Para atuação em edifícios no âmbito do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços (RECS).

A criação de uma carteira profissional poderia ajudar nesse sentido? Há intenções para que isso aconteça?

Essa carteira já existe através da inscrição e habilitação pela  ADENE.

Em 2017, o SCE celebra dez anos. Na óptica da ANPQ, o que correu pior e melhor durante este tempo?

O que correu melhor é que hoje em dia se constrói melhor e de forma mais sustentável e confortável;

O que correu pior foram muitas coisas, começando por:

  1. não existe por parte do público em geral valorização do valor do Certificado energético sobre outras vantagens da construção;
  2. Impor a instalação de painéis solares em casa de ferias habitáveis cerca de 15 dias por ano;
  3. Impor a qualidade do ar interior e fazer depender a emissão de um certificado energético das condições regulamentares da qualidade do ar quando se deveriam emitir certificados em conjunto com planos de medidas corretivas a prazo admissível;
  4. Alterar frequentemente os procedimentos de calculo com impacto na etiqueta energética alterando os valores de referencia fazendo com que as expetativas de muitas pessoas fossem frustradas só por que construíram de forma desfasada no tempo com a legislação;
  1. e) desvalorização da ventilação natural com base em estudos antigos efetuados em espaços antigos sem o rigor atual dos requisitos térmicos;
  2. f) Atribuir fatores de calculo e métodos de calculo do valor de consumo energético de acordo com parâmetros baseados em interesses particulares institucionais e em estudos desatualizados;

O SCE é uma mera formalidade? Justifique.

O SCE não é uma mera formalidade, embora muitas das vezes pareça para muitos agentes por falta de informação.

A nossa construção evoluiu muito face ás condições de habilidade e conforto desde que existe o SCE. Os responsáveis por esta melhoria são os Peritos qualificados que muitas das vezes herculeamente vencem as incompatibilidades e desajustes regulamentares abandonados á própria sorte.

O cliente final, o utilizador /proprietário do edifício, já compreende o certificado energético e a sua utilidade?

Infelizmente muitas das vezes não compreende e os Peritos qualificados são as principais vitimas dessa incompreensão e falta de informação. Os organismos oficiais tem muita culpa nesta situação.

A relação entre os PQ e a ADENE não tem sido a melhor. Que factores contribuíram para esse afastamento?

RESPOSTA: infelizmente a relação não tem sido a melhor por não nos terem aceites até hoje como parceiros interessados no sucesso do SCE. Adicionalmente no passado existiram procedimentos inusitados de fiscalização e controlo dos atos de certificação energética sem qualquer paralelo ou semelhança com outro método de fiscalização do exercício dos atos de Engenharia e/ou Arquitectura.

Qual é o ponto de situação? Do lado da ANPQ, estão disponíveis para estreitar a relação?

O ponto da situação tem a ver com a intervenção do engenheiro Rui Fragoso da ADENE na ultima sessão técnica organizada pela nossa Associação no passadio dia 9 de novembro de 2016 onde sentimos essa necessidade de dialogo junto com a ADENE.

Nesse sentido no passado dia 25 de Novembro enviámos uma carta dirigida á Senhora Presidente da Direção Geral da ADENE e para o Senhor Presidente da Direção Geral de Energia e Geologia onde propomos  a criação dum grupo de trabalho  para poder duma forma sistemática e frequente analisar e debater assuntos de interesse mutuo de entre os quais destacávamos dez pontos:

  1. Proteção do interesse público;
  2. Direitos E deveres do Peritos Qualificados;
  3. Objetividade E simplicidade na verificação de qualidade;
  4. Códigos de boas práticas em substituição das perguntas e respostas;
  5. Praticas de concorrência desleal;
  6. Incompatibilidades;
  7. Formação;
  8. Critérios relativos ás energias renováveis;
  9. Lacunas do sistema e necessidades de ferramentas adequadas ao calculo regulamentar;
  10. Envolvimentos dos Peritos qualificados nas POLITICAS DO Fundo de Eficiência energética e no Plano de Ação para a eficiência Energética.

A ANPQ única Associação de peritos qualificados do Sistema de certificação energética encontra-se totalmente disponível para estreitar essa relação com os Players do setor energético duma forma assertiva e colaborativa.